Comédia humana

Não faz pouco tempo que estou para escrever algo aqui.

O que eu esperava? Um tema nobre? Argumentos imbatíveis? Inspiração à prova de banalizações? Isso não são razões. São desculpas.

Pois então, vamos ao texto, que o resmungar deste rato já enfada.

Vi um vídeo tão produto de nosso tempo que algo que eu queria dizer já a algum tempo transbordou. Trata-se de um homem que, nos últimos dez anos, viu os avós e o pai morrerem, e a mãe deixá-lo. Essas informações nos são fornecidas por meio de um texto, ao lado do qual aparecem imagens em preto-e-branco (ou amarelado-e-branco) dos referidos entes. Diz o texto que as dificuldades que a vida impõe às pessoas fazem-nas se superarem, que existem para torná-las pessoas melhores.

O vídeo então prossegue mostrando o rapaz em si --- que deve estar a chegar aos seus 30 anos. Ele está sobre uma mesa. Detalhe: ele não tem braços, nem uma das pernas, e no lugar da outra existe uma pequena protuberância, uma "pernica", fina, de uns 20 cm de comprimento.

O rapaz então fala de que por vezes você pode enfrentar dificuldades, e cair (deita na mesa). De lá de baixo, diz, a vida parece realmente difícil. É possível tentar, e poderia tentar 100 vezes levantar. Se não desse certo, deveria desistir? Se tentamos e não conseguimos, podemos tentar novamente. Se não tentarmos, não iremos conseguir.

Ele então, penosamente, se levanta, usando a cabeça, a perninha e um objeto pequeno que está sobre a mesa. O vídeo termina.

O que temos a dizer disso? A alegoria é clara. A mensagem é bonita. Porque então me senti incomodado de tê-la visto?

Quantos livros interessantes para você existem?

(Acho que, de certa forma, isso permite explicar o que senti.)

Há livros de mais e tempo de menos para lê-los todos. Alguma coisa me incomoda profundamente ao ler mensagens sobre como a vida é boa, única, bela. Sobre como o mundo poderia ser um lugar de sonhos se as pessoas se comportassem diferentemente. Sobre como cada dia é uma bênção. Sobre como fazer isto ou aquilo (somente) é disperdiçar a vida, sobre como é importante dizer hoje, HOJE, que você ama, gosta, aprecia, admira uma pessoa ou uma coisa. Sobre como tudo é efêmero.

Alguém se sente bem em pensar que precisa que alguém estrupiado lhe diga que seus problemas não são nada para que se resolva a considerá-los sob uma perspectiva diferente? Que tipo de gente (gente?) vive como se a morte não existisse? Que tipo de gente vive para ser infeliz? As pessoas são peixinhos dourados para quem o mesmo filme eterno de 3 minutos não cessa de surpreender?

Basta! Já sabemos disso tudo. Receber esperanças e alentos por email não muda o mundo. Ou muda. Responda francamente para si, o que é que você leva dos emails que recebeu?

Receber esperanças e alentos por email muda o mundo?

Longe de robustos, meus resmungos soam pueris. Mas acho que já era hora de sair do armário. Melhoremos os argumentos juntos! Critiquem, destruam cada uma de minhas afirmações, e sairemos todos ganhando.

Nem lírica, nem satírica.

Hoje me deparei com a minha raiva. A pior de todas: aquela que vem do fundo da alma e que lá estava há milênios – somatória de várias pequenas raivas cotidianas.

A raiva do estúpido que estaca no meio da porta do ônibus ou metrô atrapalhando a migalha de direito democrático de ir e vir!

A raiva dos incontáveis imbecis que jogam todo seu lixo (material, oral e mental) ao seu redor, não importando onde estão – lixo esse que nos inunda de chuvas, de merda, de morte!

A raiva dos folgados que descansam sua falta de compromisso nos ombros dos engajados na vida!

A raiva do Big Brother Brasil que alimenta a falta do que fazer dos inúteis!

A raiva de mim mesma, que não consigo passar ilesa por esse transbordo!

“Nós compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas das quais não gostamos.”

Dave Ramsey – conselheiro financeiro norte-americano.


Postado por mim, indicado por Naia Nany.

Feliz 2010

Olá, amigos

onde estão as novas postagens?
a inspiração anda escassa?

Um 2010 fantástico para todos.
beijos