Falar por falar

Ou, aqui, escrever por escrever. Já é tempo de voltar? Tomara, tomara, ai como seria bom!

Talvez ainda não seja a hora, com tanta coisa que há para fazer. E todos estes projetos levam tempo, dão um trabalho do cão. Matemática, literatura, música! Tudo ao alcance da mão, banhada de suor.

E o ano acabou de começar. Prometo que isso não é promessa, não é embriaguez, não estou tentando me enganar (acho). Honestamente, meu pulso bate de excitação ante o desafio. Quero brincar de tudo, de autor, de matemático, de músico, de artista de circo, de pai. (Não me leve a mal, brincar no meu vocabulário não implica descompromisso.)

O bom disso é que me ajuda a terminar a lição de casa, uma motivação a mais! Não vou fazer meia-boca não, se assegure.

Comédia humana

Não faz pouco tempo que estou para escrever algo aqui.

O que eu esperava? Um tema nobre? Argumentos imbatíveis? Inspiração à prova de banalizações? Isso não são razões. São desculpas.

Pois então, vamos ao texto, que o resmungar deste rato já enfada.

Vi um vídeo tão produto de nosso tempo que algo que eu queria dizer já a algum tempo transbordou. Trata-se de um homem que, nos últimos dez anos, viu os avós e o pai morrerem, e a mãe deixá-lo. Essas informações nos são fornecidas por meio de um texto, ao lado do qual aparecem imagens em preto-e-branco (ou amarelado-e-branco) dos referidos entes. Diz o texto que as dificuldades que a vida impõe às pessoas fazem-nas se superarem, que existem para torná-las pessoas melhores.

O vídeo então prossegue mostrando o rapaz em si --- que deve estar a chegar aos seus 30 anos. Ele está sobre uma mesa. Detalhe: ele não tem braços, nem uma das pernas, e no lugar da outra existe uma pequena protuberância, uma "pernica", fina, de uns 20 cm de comprimento.

O rapaz então fala de que por vezes você pode enfrentar dificuldades, e cair (deita na mesa). De lá de baixo, diz, a vida parece realmente difícil. É possível tentar, e poderia tentar 100 vezes levantar. Se não desse certo, deveria desistir? Se tentamos e não conseguimos, podemos tentar novamente. Se não tentarmos, não iremos conseguir.

Ele então, penosamente, se levanta, usando a cabeça, a perninha e um objeto pequeno que está sobre a mesa. O vídeo termina.

O que temos a dizer disso? A alegoria é clara. A mensagem é bonita. Porque então me senti incomodado de tê-la visto?

Quantos livros interessantes para você existem?

(Acho que, de certa forma, isso permite explicar o que senti.)

Há livros de mais e tempo de menos para lê-los todos. Alguma coisa me incomoda profundamente ao ler mensagens sobre como a vida é boa, única, bela. Sobre como o mundo poderia ser um lugar de sonhos se as pessoas se comportassem diferentemente. Sobre como cada dia é uma bênção. Sobre como fazer isto ou aquilo (somente) é disperdiçar a vida, sobre como é importante dizer hoje, HOJE, que você ama, gosta, aprecia, admira uma pessoa ou uma coisa. Sobre como tudo é efêmero.

Alguém se sente bem em pensar que precisa que alguém estrupiado lhe diga que seus problemas não são nada para que se resolva a considerá-los sob uma perspectiva diferente? Que tipo de gente (gente?) vive como se a morte não existisse? Que tipo de gente vive para ser infeliz? As pessoas são peixinhos dourados para quem o mesmo filme eterno de 3 minutos não cessa de surpreender?

Basta! Já sabemos disso tudo. Receber esperanças e alentos por email não muda o mundo. Ou muda. Responda francamente para si, o que é que você leva dos emails que recebeu?

Receber esperanças e alentos por email muda o mundo?

Longe de robustos, meus resmungos soam pueris. Mas acho que já era hora de sair do armário. Melhoremos os argumentos juntos! Critiquem, destruam cada uma de minhas afirmações, e sairemos todos ganhando.

Nem lírica, nem satírica.

Hoje me deparei com a minha raiva. A pior de todas: aquela que vem do fundo da alma e que lá estava há milênios – somatória de várias pequenas raivas cotidianas.

A raiva do estúpido que estaca no meio da porta do ônibus ou metrô atrapalhando a migalha de direito democrático de ir e vir!

A raiva dos incontáveis imbecis que jogam todo seu lixo (material, oral e mental) ao seu redor, não importando onde estão – lixo esse que nos inunda de chuvas, de merda, de morte!

A raiva dos folgados que descansam sua falta de compromisso nos ombros dos engajados na vida!

A raiva do Big Brother Brasil que alimenta a falta do que fazer dos inúteis!

A raiva de mim mesma, que não consigo passar ilesa por esse transbordo!

“Nós compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas das quais não gostamos.”

Dave Ramsey – conselheiro financeiro norte-americano.


Postado por mim, indicado por Naia Nany.

Feliz 2010

Olá, amigos

onde estão as novas postagens?
a inspiração anda escassa?

Um 2010 fantástico para todos.
beijos
'O que me preocupa não é o clamor dos maus. É o silêncio dos bons'.
Martin Luther King

Compartilho desta preocupação.


Por Naia Nanny

Por acaso....foi como o Fabricio Carpinejar entrou na minha vida.

Eu assistia televisão, ou melhor, eu passeava pela televisão com o poder que o controle remoto me confere. Todos os canais em segundos...quem não conhece essa rotina e o tédio que a acompanha.

Mas num desses passeios eu esbarrei no cara: paixão imediata.

Corri para a Internet e mais uma vez o Google abriu uma porta: achei o blog do sujeito.

Da paixão ao amor decorreram 10 minutos de leitura!

E com toda a minha promiscuidade de leitora de boas coisas, compartilho esse amor com aqueles que eu acredito também irão se apaixonar por ele.

Arrisquem. Afinal, paixão é combustível!!!

Boa leitura.

O chuveiro tem temperamento. Alguns ligam, outros nos devolvem a fé.

A ducha de casa funcionava perfeitamente com exceção de um detalhe: uma gota fria no meio da enxurrada quente. Não sei de onde vinha, como vinha.

Era um pingente de lago russo.

No inverno, aquela gota gerava um maremoto de raiva. Quebrava o ritmo aconchegante do calor, desconcentrava o apetite. Eu deixava de saborear o resto da torrente para analisar sua origem intrusa, intrigado com o milagre.

De que maneira a gota furava o aquecimento?

A gota dava um tabefe e sumia. A cada dois minutos. Cronometrava, contava alto.

Mais certeira do que cuspe de calha, de ar-condicionado. Tumtum nas costas. Não havia como escapar dela. Usei touca de plástico, óculos de mergulhador, equipamentos submarinos. Não surtia efeito, o minúsculo líquido prosseguia com sua acupuntura autodidata.

Tremia ao sair do banho. Sua queda na carne retirava o luxo do banheiro vedado, trancado, com estufa. Era uma porta aberta no corpo.

Acabava com minha custosa técnica de abrir a torneira no ponto certo, sem a luz despencar. Complicado atingir o limite ideal do registro, firmar o estalido de cofre, acertar a temperatura.

Eu me preparava para a surpresa. Aumentava a sensibilidade para reconhecê-la. Fechava os poros para abri-los assustados.

Vinha como um remédio de criança, sôfrego. Uma gota de paralisia. Caía lentamente, separando as vértebras.

Foram três anos lutando contra o pingo e perdendo. Exigia uma atitude aos pais, conversava com os três irmãos e ninguém notava sua aparição. Não trocaram de aparelho. Ele permaneceu, eu é que abandonei a casa.

Minha adolescência durou menos do que o chuveiro elétrico.

Dessa guerra caseira, herdei a sina de não abandonar problemas. Se há uma dificuldade, tenho que resolvê-la no ato. Paro tudo o que estou fazendo e tento consertar. A leve irritação vira ofensa pessoal.

Não suporto uma conta em aberto, uma tarefa inacabada, uma inimizade; maltrato-me até resolver as pendências. Mas sempre existe um pedido, uma nova reclamação ou um desentendimento. Ter pressa é não ter paz.

Bastaria seguir adiante para me acostumar. Mas não, meu medo de esquecer me impede de lembrar. Fico travado, em greve, batendo na mesma tecla, insolente, insatisfeito, renitente, sem sair do lugar do incômodo.

Elimino a sensação de toda água quente que passou pelos ombros para valorizar uma bolha gélida. Faço com que todos participem de minha mobilização imaginária. Se alguém ficar de fora será mais uma gota a ser combatida.

É uma pequena pontada que transformo em dor que elevo em trauma que glorifico em incompreensão.

Interrompi vários momentos bons de minha vida pela birra com um detalhe.

O que me leva a crer que não procurava a falha, criava a falha, me dedicava para que o mal-estar prosperasse e justificasse o meu empenho na briga.

Depois do escândalo, preparava outro escândalo para compensar o despropósito da raiva. Não desistia de argumentar para sustentar o erro.

Não é fácil me desligar.

A gota acentuava tão-somente a minha frieza.


Por Naia Nanny