Por acaso....foi como o Fabricio Carpinejar entrou na minha vida.

Eu assistia televisão, ou melhor, eu passeava pela televisão com o poder que o controle remoto me confere. Todos os canais em segundos...quem não conhece essa rotina e o tédio que a acompanha.

Mas num desses passeios eu esbarrei no cara: paixão imediata.

Corri para a Internet e mais uma vez o Google abriu uma porta: achei o blog do sujeito.

Da paixão ao amor decorreram 10 minutos de leitura!

E com toda a minha promiscuidade de leitora de boas coisas, compartilho esse amor com aqueles que eu acredito também irão se apaixonar por ele.

Arrisquem. Afinal, paixão é combustível!!!

Boa leitura.

O chuveiro tem temperamento. Alguns ligam, outros nos devolvem a fé.

A ducha de casa funcionava perfeitamente com exceção de um detalhe: uma gota fria no meio da enxurrada quente. Não sei de onde vinha, como vinha.

Era um pingente de lago russo.

No inverno, aquela gota gerava um maremoto de raiva. Quebrava o ritmo aconchegante do calor, desconcentrava o apetite. Eu deixava de saborear o resto da torrente para analisar sua origem intrusa, intrigado com o milagre.

De que maneira a gota furava o aquecimento?

A gota dava um tabefe e sumia. A cada dois minutos. Cronometrava, contava alto.

Mais certeira do que cuspe de calha, de ar-condicionado. Tumtum nas costas. Não havia como escapar dela. Usei touca de plástico, óculos de mergulhador, equipamentos submarinos. Não surtia efeito, o minúsculo líquido prosseguia com sua acupuntura autodidata.

Tremia ao sair do banho. Sua queda na carne retirava o luxo do banheiro vedado, trancado, com estufa. Era uma porta aberta no corpo.

Acabava com minha custosa técnica de abrir a torneira no ponto certo, sem a luz despencar. Complicado atingir o limite ideal do registro, firmar o estalido de cofre, acertar a temperatura.

Eu me preparava para a surpresa. Aumentava a sensibilidade para reconhecê-la. Fechava os poros para abri-los assustados.

Vinha como um remédio de criança, sôfrego. Uma gota de paralisia. Caía lentamente, separando as vértebras.

Foram três anos lutando contra o pingo e perdendo. Exigia uma atitude aos pais, conversava com os três irmãos e ninguém notava sua aparição. Não trocaram de aparelho. Ele permaneceu, eu é que abandonei a casa.

Minha adolescência durou menos do que o chuveiro elétrico.

Dessa guerra caseira, herdei a sina de não abandonar problemas. Se há uma dificuldade, tenho que resolvê-la no ato. Paro tudo o que estou fazendo e tento consertar. A leve irritação vira ofensa pessoal.

Não suporto uma conta em aberto, uma tarefa inacabada, uma inimizade; maltrato-me até resolver as pendências. Mas sempre existe um pedido, uma nova reclamação ou um desentendimento. Ter pressa é não ter paz.

Bastaria seguir adiante para me acostumar. Mas não, meu medo de esquecer me impede de lembrar. Fico travado, em greve, batendo na mesma tecla, insolente, insatisfeito, renitente, sem sair do lugar do incômodo.

Elimino a sensação de toda água quente que passou pelos ombros para valorizar uma bolha gélida. Faço com que todos participem de minha mobilização imaginária. Se alguém ficar de fora será mais uma gota a ser combatida.

É uma pequena pontada que transformo em dor que elevo em trauma que glorifico em incompreensão.

Interrompi vários momentos bons de minha vida pela birra com um detalhe.

O que me leva a crer que não procurava a falha, criava a falha, me dedicava para que o mal-estar prosperasse e justificasse o meu empenho na briga.

Depois do escândalo, preparava outro escândalo para compensar o despropósito da raiva. Não desistia de argumentar para sustentar o erro.

Não é fácil me desligar.

A gota acentuava tão-somente a minha frieza.


Por Naia Nanny

Nenhum comentário:

Postar um comentário